COMPANHIA DE DANÇAS BRASILEIRAS

COMPANHIA DE DANÇAS BRASILEIRAS

sab, 14/11/2020 - 21:09
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BALLET STAGIUM

BALLET STAGIUM

Resolvi aproveitar esse lugar de fala para homenagear as Cias de dança brasileiras e também para reviver um pouco da minha trajetória na dança. Começando pelo começo, com vocês:Ballet Stagium, de São Paulo. Na sequência conto um pouco da minha história no BalletStagium e apresento um texto que fala sobre a trajetória da Cia de dança Ballet Stagium,escrito por Oswaldo Mendes e gentilmente cedido por Fábio Vilarde.

Ballet Stagium
Ballet Stagium 

                                         Minha história no Ballet Stagium


O Ballet Stagium foi um conto de fadas na minha vida, a minha primeira casa. Era dezembro de 1979, eu tinha 18 anos já morava no Rio de Janeiro e fazia aulas com no Teatro Municipal sob a direção de Tatiana Leskova. Quando fui convidada por Antônio Carlos (em memória), meu querido amigo Magão, para assistir o Ballet Stagium em Copacabana no antigo Teatro Tereza Raquel. Resolvi ir mesmo sem ter dinheiro, na época eu não recebi salário e contava com ajuda
da minha família para me manter estudando dança no Rio. Um pouco antes de começar o espetáculo, estávamos indo na direção do teatro e quando em um canto vazio da galeria vi um bolo de dinheiro jogado no chão, não lembro exatamente a quantia mas lembro que era muito dinheiro. Fiquei nervosa, olhando para os lados tentando achar um provável dono, mas
naquele momento a galeria estava vazia e não consegui identificar ninguém. Como na época a situação era bastante complicada e apertada financeiramente, num impulso acabei pegando a grana e colocando na minha bolsa, meu coração batia acelerado, parecia que ia sair pela boca.
Nós assistimos o espetáculo do Ballet Stagium, eu fiquei totalmente maravilhada!! Eles dançavam o Brasil! Existia liberdade e diversidade na dança, eles dançavam de ponta, meia-ponta, pés descalços. Aquele espetáculo me encantou de verdade! 

Naquela mesma noite de estreia, meu amigo Magão me levou ao hotel que os bailarinos estavam e me apresentou para alguns. A noite foi muito divertida, adorei os bailarinos e combinamos que no dia seguinte eu pediria uma bolsa para a diretora Marika Gidali para fazer parte da companhia. Além disso, a minha professora Jane Blauth era professora deles também nessa mesma época. Tudo parecia uma conspiração do destino para que eu mudasse dos ares clássicos do Teatro Municipal para os ares brasileiros-contemporâneos do Stagium.  E assim aconteceu, no dia seguinte eu pedi uma bolsa, que me foi concedida e, graças ao dinheiro achado (que hoje entendo como um presente do universo), em janeiro de 1980 eu estava indo para São Paulo para fazer o curso de férias do Ballet Stagium. Fiquei hospedada em Santo André na casa dos meus tios. Ao final do primeiro mês consegui participar de uma audição e me tornei estagiária do Ballet Stagium. O salário era baixo, mas era meu primeiro salário como bailarina, a primeira vez que me pagaram para exercer a profissão que me escolheu. Eu me dediquei muito e ao final do mês seguinte (fevereiro de 1980) eu já tinha aprendido quatro coreografias: “Kuarup”, “Coisas do Brasil”, “Valsas e Serestas” e “Dança das Cabeças”. Feito que nenhuma das outras bailarinas que passaram na mesma audição que participei tinham conseguido. Resolvi conversar com a diretora da Cia, mostrei que estava comprometida. Ela entendeu e olhando nos meus olhos me promoveu de estagiária à bailarina da Cia de Dança Ballet Stagium! Assim começou a minha linda história como bailarina do Stagium, minha primeira carteira assinada, meu primeiro 13º salário, minhas primeiras férias remuneradas! Eu estava muito feliz com tudo aquilo e principalmente por encher meus pais de orgulho, eles no Ceará e eu em são Paulo, conquistando minha independência financeira aos 18 anos de idade! Pude parar de morar de favor na casa dos tios e com mais alguns amigos aluguei meu primeiro apartamento em São Paulo. Minha experiência na cia foi maravilhosa, aprendi muito com os dois diretores: Marika Gidali e Décio Otero. Décio Otero é um gênio! Nessa época me sentia a pessoa mais feliz do mundo, todo final de ano conseguia viajar para fortaleza para ficar com minha família, viajei o Brasil inteiro dançando! Foram de glória e pura felicidade os que passei no Ballet Stagium.  Sou muito grata a toda essa experiência! Décio Otero conhecia todos os seus bailarinos e criava para cada um, era um processo fantástico! Ele fez “Qualquer maneira de amor vale amar”, “Santa Maria de Quique”, “Batucada”, “A Mi America”, “Vida”, entre outras coreográfias lindas e todas feitas para os bailarinos dançarem. Eu só tenho a agradecer aos diretores, bailarinos, família e universo, por essa época fantástica! Meus amigos Maria Vidal, Tatiana Cobbett, Edgar Dopra, Maria Helena Alemani, Ismênia Rodich, Eduardo Fraga e todos os outros que me fogem os nomes mas ficam os passos e cenas vividas em conjunto. Toda minha gratidão ao Ballet Stagium de São Paulo!! Viva Viva Viva!!!  

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Ballet Stagium - Tecendo a História

Texto do jornalista e dramaturgo Oswaldo Mendes e gentilmente cedido por Fábio Vilarde.

São 49 anos com pés no presente, olhos no futuro e um passado único. São 49 anos dançando o Brasil, a sua gente, o seu tempo. Dançando a violência do Holocausto, a luta dos mineiros do Chile e o garimpo de ouro em Serra Pelada na Floresta Amazônica. Dançando o tango de Astor Piazzolla, a resistência dos índios brasileiros em Kuarup e a ruptura artística e nacionalista dos modernistas de 1922. Dançando o futebol, a América Latina, Coisas do Brasil e Dona Maria 1ª, a Rainha Louca, e a resistência dos escravos nos Quilombos. Dançando a música brasileira. A popular de Chico Buarque a Elis Regina, de Dorival Caymi a Carmen Miranda, de Adoniran Barbosa e Quinteto Violado a Ary Barroso, de Milton Nascimento a Egberto Gismonti e Geraldo Vandré. E a erudita contemporânea de Villa-Lobos, Cláudio Santoro, Almeida Prado e Ayrton Escobar. Dançando a literatura em “A Infanticida Marie Farrar” de Bertolt Brecht, em “Diadorim” de Guimarães Rosa, em “Os Estatutos do Homem” do poeta Thiago de Mello, e o teatro em “Navalha na Carne” de Plínio Marcos. São 49 anos dançando em qualquer espaço. No Brasil, nas Américas, na Europa, na China. No meio da revolução sandinista na Nicarágua ou nas ruínas de Áquila na Itália. Nas favelas do Rio de Janeiro e em uma barca navegando pelo Rio São Francisco. Em escola de samba no Carnaval, em presídios, no parque indígena do Xingu, em escolas públicas ou históricos palcos como o do Teatro Nacional de Manaus e dos teatros municipais de São Paulo e Rio de Janeiro. Sem preconceito. Sem fronteira. Sem intolerância estética, política ou ideológica.

  Outubro de 1971. O Brasil vivia o momento mais agudo da ditadura militar instalada em 1964. A tesoura da Censura agia sobre a imprensa e, em especial, sobre o teatro e a música popular. Uma bailarina húngaro-brasileira sobrevivente dos campos de concentração e um brasileiro nascido no interior, e já com brilhante carreira nos palcos europeus, encontram-se em “Convite à Dança”, programa da primeira e recém-inaugurada televisão pública no Brasil, a TV Cultura de São Paulo. Terminada a série de programas, ficou a pergunta. E agora? Na falta de condições de trabalho, Márika Gidali e Décio Otero precisariam criar suas próprias condições, se quisessem continuar a dançar no Brasil. Em torno da pequena academia de dança que abriram em São Paulo nasceu o Ballet Stagium, uma companhia particular e estável à margem do governo e das verbas públicas. Apoio só o de amigos da dança e, sobretudo, do teatro, para quem Márika já criava coreografias desde meados dos anos de 1960. 

   Do ator Paulo Autran o casal ouviu o conselho de sair Brasil afora, sem se limitar a apresentações em São Paulo e a poucas capitais como Rio de Janeiro e Curitiba. No diretor de teatro Ademar Guerra o Stagium encontrou o ponto de referência artístico e intelectual para desenvolver a sua dança.

  Márika e Décio tinham necessidade de romper amarras e limites para alcançar um público além daqueles habituais consumidores de dança em teatros de poltronas aveludadas. Isso os levou ao encontro de novas plateias, estabelecendo uma troca que consolidou o tripé das indagações a orientar o trabalho da companhia: o que dançar? Para quem dançar? E como dançar? Sem abandonar o rigor da técnica, os bailarinos se impunham ao lado do seu fazer artístico, serem cidadãos comprometidos com o seu país e o seu tempo. 

  Como testemunha de sua história, escolho a coragem e a perseverança como os atributos que caracterizam a companhia que vi nascer. Coragem de dançar o Brasil. Coragem de colocar a arte brasileira, sem folclore, em cena. Coragem de enfrentar os períodos mais obscuros da história política do Brasil. Coragem de romper padrões. Coragem de quebrar preconceitos e levar a dança para todas as plateias.

  Perseverança para encarar dificuldades, que não são poucas, sem esmorecer. Perseverança para resistir a todas as tentações do glamour que poderiam desviar o Stagium do seu caminho. Coragem e perseverança para desafiar os riscos de ser artista, comprometido com o seu tempo e com os homens do seu tempo, sem ceder à vaidade tola e ao brilho passageiro. Por tudo isso, a dança no Brasil tem nome: Stagium. E hoje, a caminho dos 50 anos, a companhia persevera na coragem de Márika Gidali e Décio Otero.